sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Um desabafo.


Luto. Para a Psicologia, um sentimento de perda ou tristeza profundo em decorrência de alguma perda.

Há vários anos, os jornalistas do Rio Grande do Norte vêm acumulando perdas importantes. Desde sempre, eles ganham o menor piso salarial do Brasil. E, ano após ano, as negociações salariais não demonstram uma vontade mínima dos donos de empresa de comunicação em mudar esta realidade.

No dia 20 de outubro o deputado estadual Fernando Mineiro, do PT, promoveu uma assembléia pública para discutir a questão. Foram convidados os presidentes dos dois sindicatos patronais (jornais e revistas, rádio e TV), representantes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, jornalistas e legisladores da casa. Quase ninguém apareceu. Além da diretoria do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Norte, cerca de quatro profissionais, incluindo o professor Leonardo Gamberoni, da Universidade Potiguar. Um profissional do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), voluntariamente, fez um levantamento e concluiu: jornalista no RN tem vencimentos menores que a média de rendimentos de um flanelinha.

Poucos dias depois, após a segunda rodada de negociação salarial, o susto: sindicatos patronais simplesmente ignoraram a pauta de reivindicações do Sindjorn e elaboraram uma nova pauta, onde sugerem um reajuste de 3,5% aos R$ 900 pagos como piso, a exclusão das folgas semanais (o profissional só teria direito a uma folga dominical por mês, de acordo com o documento), a redução das condições para o pagamento de horas extras e o não apoio ao profissional repórter em casos processuais, salvo quando a matéria for autorizada por escrito pela direção da empresa.

Vamos pensar: 3,5% de 900 são R$ 31,50. A inflação no período foi de 5,68%. Se a inflação abatesse diretamente dinheiro do salário, teria comido mais de R% 51,00 do piso de jornalista do RN. Então, o reajuste oferecido pelas empresas ainda fica devendo R$ 20 ao índice da inflação no país.

De acordo com o Dieese, uma cesta básica completa em Natal custa R$ 193,08. Então, se um jornalista resolvesse guardar a diferença ganha no seu salário com o reajuste proposto, teria que esperar seis meses para conseguir ter em casa carne, leite, feijão, arroz, farinha, tomate, pão, café, banana açúcar, óleo, e manteiga. Quem sabe em um ano ele consiga juntar o suficiente para comprar um peru de Natal? Mesmo que o reajuste oferecido cobrisse a inflação, ainda seriam necessários quase quatro meses com a diferença do reajuste na mão para comprar uma cesta básica.

Pense comigo, você é um repórter renomado, bom no que faz. Por acaso estava na redação quando o chefe de reportagem abre a porta, berrando: “corre, prenderam o governador por fraude eleitoral!”. A matéria é de extremo interesse para o seu veículo. O que você faz? Você corre! Joga o repórter de imagem no carro e vai em ânsias de êxtase – pelo furo – e ansiedade. “É matéria de capa, é manchete!”. Apura tudo, a justiça diz que o cara é culpado e que já está sendo indiciado. Você confirma: “o processo já foi aberto?”. “Já”. A matéria é feita, vai ao ar ou é impressa, vira manchete, repercute nacionalmente, aquele rebu. Mas aí o cara é solto, volta pro governo, e processa todo mundo que publicou ou escreveu matérias a respeito dele. A surpresa? Ele nem indiciado foi. O que acontece? Chega na porta da empresa um homem sisudo, com envelopes na mão. Ele tem um para você e um para o diretor. Processo. Difamação, prejuízos morais, aquela confusão. E, surpresa: você está sozinho! Sabe por quê? O diretor da empresa de comunicação que você trabalha normalmente só chega ao trabalho depois das 14h. A matéria foi feita ao meio dia. O celular dele estava desligado porque ele estava almoçando com a família e ninguém conseguiu pedir-lhe que viesse mais cedo, afinal, era preciso assinar uma ordem por escrito de que o furo do ano, aquela matéria que o seu chefe gritou para você na redação, poderia ser feito.

Você pega seus R$ 931,50 – o super salário pago à você que tem oito anos de experiência, mas não acumula função – e vai atrás de um advogado. Porque a cláusula 22 da proposta entregue pelos sindicatos patronais diz, exatamente, assim: “A empresa nomeará e contratará advogados para patrocinar a defesa do Empregado que vier a ser processado em conseqüência do exercício profissional, custeando inclusive as despesas processuais, desde que a matéria, motivo do processo, tenha sido autorizada expressamente e por escrito pela Direção”. Tá bom...

Essa campanha de luto é muito mais que uma campanha salarial. É um levante, uma convocação. Os patrões só fizeram propostas absurdas, querendo minar direitos fundamentais garantidos aos profissionais, porque não respeitam a categoria. Os jornalistas do Rio Grande do Norte precisam esquecer quixaves, quirumbas e picuinhas pessoais. O que está em jogo agora é muito maior que a relação que você tem com o colega. Ou o tipo de empresa em que você trabalha. Funcionário público concursado? Ótimo! Isenção total na relação com os sindicatos patronais – você tem obrigação moral e ética de apoiar a causa! Assessor de imprensa? O reajuste digno do piso vai interferir nos seus rendimentos. E por aí vai.

Levante a cabeça. Pare de olhar para o umbigo e enxergue a importância desse ato. Apoie, divulgue, colabore, escreva, contribua, indigne-se! Exija dignidade e respeito à você como profissional de todas as áreas do jornalismo. E vista luto!

*Os textos enviados por jornalistas do RN vão ser mantidos no anonimato, para proteger seus autores de retaliações e pressões profissionais.

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